18 de jun. de 2012

"visão amarela"

essa biografia é simplesmente fabulosa porque é exaustiva, detalhada, muito bem construída, só sobre a vida do van gogh. não discute a infinidade de temas, problemas, dúvidas, estudos e questões que se multiplicam em torno dele. pega seu barquinho e toca em frente.

a parte das notas, referências, remissões, tudo isso, o lado mais acadêmico, digamos assim, ficou todo online, como comentei aqui.


então, agora é um comentário só meu, sobre uma questão que nem é citada no livro e é a seguinte: uma das hipóteses muito discutidas sobre van gogh diz respeito ao uso da digitális. um de seus efeitos, quando usada em excesso, é a xantopsia, um distúrbio da visão que faz enxergar as coisas em amarelo. como há quem diga que a digitális era usada para tratar epilepsia, a chamada "fase amarela" de van gogh teria sido, na verdade, resultante de um abuso de digitális no tratamento de sua doença.

bom, quem sou eu para dizer qualquer coisa, mas, pelo que vejo nesta biografia que estou traduzindo, algumas coisas são dados de fato:

- a dita fase amarela: teria sido em arles, "sob o sol do midi", desde o começo de 1888, com a casa amarela, os girassóis amarelos etc., antes da mutilação da orelha que o levou ao hospital da cidade (dezembro).
- foi no hospital, lá pela segunda ou terceira internação, já em 1889, que dr. rey aventou a hipótese de uma epilepsia não convulsiva (i. é, cerebral ou do lobo temporal, como dizem hoje), mas não lhe foi ministrado nenhum remédio à base de digitális (que é um estimulante). pelo contrário, ele tomava tranquilizantes, a saber, brometo.
- além disso, nas referências que encontrei, dizem que se usava a digitális para epilepsia convulsiva, não epilepsia latente ou cerebral (que, na verdade, nem era ainda reconhecida amplamente pela comunidade médica).
- somente quando van gogh vai para saint-paul em maio de 1889 é que o diretor do hospício ratifica o diagnóstico de epilepsia cerebral sugerido por dr. rey, mas não lhe foi ministrado nenhum remédio à base de digitális, que, repito, era mais usualmente empregado como tônico para acelerar a pulsação cardíaca.
- quando ele sai de lá e vai para auvers, em maio de 1890, é que conhece dr. gachet, que usava homeopatia e fitoterapia, e pinta um retrato dele com dois ramos de digitális (o quadro está aqui). dr. gachet discordava do diagnóstico de epilepsia e declarou que vincent estava com a saúde cem por cento. ademais, gachet usava a digitális para combater depressão, não epilepsia. não consta que ele tenha ministrado medicamentos à base de digitális para vincent. 


então, cá raciocinando com meus botões, fico achando bastante furada essa história de que seus sóis, campos, girassóis etc. fossem tão amarelos porque ele estivesse com xantopsia decorrente do abuso da tal dedaleira, pois as datas simplesmente não batem (para nem falar da adequação medicamentosa). mas, mesmo que tivesse tomado digitális, teria sido em doses homeopáticas, nos dois últimos meses de vida: ou seja, anos depois da dita fase amarela, e nem daria tempo para se entupir a ponto de desenvolver "visão amarela".