14 de jun. de 2012

a arlesiana

que coisa! pois não é que vincent está apaixonado por madame ginoux? apaixonado sozinho, na imaginação,  à distância e na lembrança, mas volta duas vezes a arles para revê-la. o interessante que apontam os biógrafos é que, na sequência das várias colheitas de azeitonas que faz em saint-rémy, sempre aparece uma figura de referência a madame ginoux, com sua touquinha típica das belles arlésiennes. neste é bem visível:


que história complicada! madame ginoux era a esposa do dono do café de la gare, aquele que vincent pintou (e disse que era a coisa mais feia que tinha feito até então, veja aqui). havia todo o mito da belle arlésienne, mas vincent nunca conseguia modelos e mesmo as prostitutas o rejeitavam. uma de suas grandes apostas na vinda de gauguin para o midi (e ele encarnava no gauguin a ideia do "bel-ami" de maupassant) era conseguir modelos femininos, pois gauguin era másculo, viril, conquistador, aquelas coisas todas.

só que gauguin também era muito oportunista, belicoso, provocador etc. de fato, ele consegue atrair madame ginoux para posar no ateliê da casa amarela, vincent fica assanhadíssimo e quer aproveitar a sessão para ele também desenhar a modelo. só que madame ginoux não gostou e pôs de propósito a mão no rosto, do lado em que estava vincent, para impedi-lo de retratá-la. 

mas isso não desacorçoou vincent, que, correndo-correndo, pintou madame ginoux enquanto gauguin desenhava um esboço a carvão (era uma sessão de uma hora). foram estes dois que resultaram naquela breve sessão:

vincent:


retrabalhado em outra tela como:

gauguin, carvão:

File:Gauguin Ginoux Sketch.jpg

acontece que gauguin antes desenhava e depois transpunha o esboço para a tela. e ele usou seu esboço para  fazer um café de la gare que era um franco arremedo (gozador e ferino) do café de la gare que vincent tinha pintado antes, incluindo em sua tela outros temas de vincent: à esquerda, o zuavo; no meio ao fundo, o carteiro roulin, além de dar traços japonesistas (o japonnesisme era outro dos evangelhos de vincent) às prostitutas da mesa ao fundo.

File:Paul Gauguin 072.jpg

a história é toda muito entremeada, mas o que acontece é que, um ano depois, após a mutilação da orelha, vários ataques e internamentos no hospital de arles, e depois o internamento no hospício de saint-paul, com mais dois severíssimos ciclos de ataques em julho-agosto e dezembro de 1889, vincent se põe a pintar freneticamente a madame ginoux do desenho a carvão de gauguin, resultando nas pinturas que se somam à série l'arlésienne.









essa história de sempre pôr alguns livros (como na cadeira de gauguin, aqui) tem muito aquela questão de fundo de que a leitura, a literatura entendida no sentido humanista e iluminista do esclarecimento, é algo indispensável à plena humanidade do ser. fica clara a inserção dos livros na retrabalhada do primeiro quadro, quando substitui a sombrinha e as luvas da modelo por alguns volumes, um deles até aberto. mas, segundo os biógrafos, a referência é mais nostálgica e existencial do que programática: são seus favoritos da infância, contos de natal de dickens e a cabana do pai tomás de stowe.